A literatura brasileira e o futebol caminham frequentemente de mãos dadas, entrelaçando a identidade cultural do país. Entre os grandes nomes que dedicaram o seu olhar aguçado às quatro linhas, destaca-se Carlos Drummond de Andrade. O poeta maior de Itabira, conhecido pela sua profundidade existencial e pela sua observação minuciosa do cotidiano, não ignorou a paixão nacional. Pelo contrário, elevou o futebol à categoria de arte e fenômeno social através das suas crônicas.
O olhar do cronista: além do fanatismo
Diferente de contemporâneos como Nelson Rodrigues, que vivia o futebol com uma passionalidade visceral e trágica, Drummond adotava uma postura mais lírica e, por vezes, irônica. Para ele, o jogo não era apenas uma disputa de resultados, mas uma representação da vida, com os seus imprevistos, as suas alegrias efêmeras e as suas decepções.

Nas páginas do Jornal do Brasil, onde escreveu durante décadas, o poeta transformava partidas comuns em ensaios sobre o comportamento humano. Ele via no estádio um espaço de suspensão da realidade, onde as hierarquias sociais se diluíam em prol de um objetivo comum: o gol. Drummond entendia que, durante noventa minutos, o torcedor deixava de ser um indivíduo comum para integrar uma massa movida por esperança e angústia.
O coração vascaíno e as raízes mineiras
Embora a sua escrita transparecesse uma certa imparcialidade intelectual, Drummond tinha as suas preferências. No Rio de Janeiro, cidade que adotou como lar, o seu coração batia pelo Club de Regatas Vasco da Gama. A escolha pelo cruzmaltino não era alardeada com fanatismo, mas aparecia sutilmente em seus textos e em conversas com amigos.
Contudo, as raízes mineiras nunca o abandonaram. Havia no poeta uma simpatia natural pelo Atlético Mineiro, o «Galo», representante das suas origens. Essa dualidade mostrava que, para Drummond, o futebol era também uma forma de manter laços afetivos com os lugares e tempos da sua vida. Ele não era um torcedor de arquibancada, de gritar e xingar o juiz, mas um apreciador da estética do jogo e da fidelidade das torcidas.

A Copa do Mundo e a pátria de chuteiras
Foi nas crônicas sobre a Copa do Mundo que Drummond produziu alguns dos seus textos mais memoráveis sobre o esporte. Ele captava como poucos o sentimento de unidade nacional que tomava conta do Brasil a cada quatro anos.
Na Copa de 1970, no México, Drummond rendeu-se ao talento daquela que é considerada por muitos a melhor seleção de todos os tempos. Sobre Pelé, escreveu com reverência, reconhecendo no camisa 10 não apenas um atleta, mas um artista que desafiava as leis da física e a lógica. Para o poeta, o «Rei» fazia o difícil parecer natural, transformando o futebol em um espetáculo de dança e geometria.
Drummond também abordava a derrota com maestria. Após a tragédia do Sarriá na Copa de 1982, soube traduzir o luto coletivo sem cair no desespero, lembrando que o futebol, assim como a poesia, é feito de beleza, mas também de imperfeição.
Em suma, a relação de Carlos Drummond de Andrade com o futebol foi a de um sábio observador que percebeu, antes de muitos intelectuais, que a bola rolando no gramado era uma extensão da alma brasileira. Ele provou que entre um verso e um drible não havia distância, mas sim uma ponte poética onde a vida acontece.
FAQs sobre Carlos Drummond de Andrade e o futebol
Qual era o time de coração de Carlos Drummond de Andrade?
No Rio de Janeiro, o poeta era torcedor do Vasco da Gama. No entanto, mantinha também uma forte simpatia pelo Atlético Mineiro, devido às suas origens no estado de Minas Gerais.
Drummond era um torcedor fanático?
Não. Diferente de cronistas como Nelson Rodrigues, Drummond não era um torcedor fanático ou «doente». Ele apreciava o futebol com um olhar mais lírico, intelectual e observador, valorizando a estética do jogo e o comportamento social das torcidas.
Em qual jornal Drummond publicava as suas crônicas sobre futebol?
A maior parte da sua produção cronística, incluindo os textos sobre futebol, foi publicada no Jornal do Brasil, onde ele manteve uma coluna por muitos anos.
Como Drummond via a Copa do Mundo?
Ele via a Copa do Mundo como um momento de suspensão da realidade e de união nacional. As suas crônicas durante os mundiais, especialmente os de 1958, 1970 e 1982, são celebradas por captarem a emoção do povo brasileiro.
O que Drummond escreveu sobre Pelé?
Drummond escreveu com grande admiração sobre Pelé, reconhecendo-o como um gênio e um artista. Para o poeta, Pelé tinha a capacidade de fazer o extraordinário parecer simples, elevando o futebol à categoria de arte.
Drummond considerava o futebol um tema menor para a literatura?
Pelo contrário. Com a sua obra, ele ajudou a legitimar o futebol como um tema digno de alta literatura, mostrando que o esporte era um reflexo profundo da cultura e da identidade do Brasil.







