Minha curta carreira no futebol foi interrompida cedo.
Não digo que teria grande sucesso – o dom claramente não veio comigo quando nasci – mas isso não apaga a dor de deixar algo que se ama.
Talvez eu não fosse um craque, mas certamente seria mais um apaixonado jogando na liga amadora, feliz só por estar dentro de campo.
O fim veio com uma lesão: rompimento dos ligamentos do joelho, acompanhado de uma recuperação ruim, típica de quem está nas categorias de base de um clube modesto.
E aqui quero deixar algo claro: a culpa não foi de uma entrada dura, nem de uma pancada, nem dos médicos, cirurgiões ou das equipes técnicas.
Foi, muito provavelmente, do gramado sintético – e talvez também de uma má escolha de chuteira, numa época em que ninguém explicava qual tipo usar em cada tipo de campo.
A guerra dos gramados no Brasil
Hoje, ao ver o debate no futebol brasileiro sobre gramado natural vs. sintético, me sinto inevitavelmente parte da conversa.
De um lado, Abel Ferreira, técnico do Palmeiras, reclama (com razão) dos maus gramados do Brasileirão.
Do outro, ele próprio representa um clube que defende o sintético – o Palmeiras – que, embora tenha um gramado artificial de excelente qualidade e certificado pela FIFA, ainda enfrenta as limitações e controvérsias típicas desse tipo de piso.
A polêmica explodiu recentemente após Bahia x Palmeiras na Fonte Nova, quando Abel detonou o estado do gramado natural e Rogério Ceni respondeu:
“Para quem joga em sintético, reclamar de lesão em natural fica feio.”
E é difícil discordar.
Abel tem razão em exigir qualidade mínima, mas Ceni também tem razão na ironia: não se pode pedir perfeição dos outros e aceitar o sintético em casa.

O argumento econômico e o lixo visual
Entendo que o sintético facilite a vida dos clubes: menos manutenção, mais resistência e mais espaço para shows.
Mas o futebol não é uma arena de concertos – é futebol.
A desculpa de rentabilizar o estádio não pode se sobrepor à essência do jogo.
Ver um palco ocupando uma arquibancada, ingressos sendo vendidos com visão tapada por estrutura de show, e o gramado virando “chão de eventos” é uma aberração estética e esportiva.
Um campeonato com tanto potencial quanto o Brasileirão não pode se dar ao luxo de vender um produto assim.

A bola não mente
Quem já jogou em sintético sabe: a bola quica mais, o ritmo muda, o toque é diferente.
Na Europa, o sintético serve para climas extremos, onde o gelo destrói qualquer gramado natural, ou para clubes pequenos que não podem arcar com os custos de manutenção.
Em Portugal, por exemplo, o uso é bem definido:
– Nas divisões profissionais, é proibido – todos jogam em grama natural (ou híbrida);
– Nas categorias de base e clubes amadores, sim, o sintético é essencial e até positivo, pois garante treino o ano inteiro.
E mesmo assim, há clubes modestos que dão lições de zelo e orgulho com o gramado.
O Elvas, que disputa a 4ª divisão do futebol português, tem um dos melhores gramados naturais do país, elogiado por quem joga e visita.
O mesmo se pode dizer de Arouca e Portimonense, ambos das ligas profissionais, reconhecidos pela Liga Portugal com prêmios de melhor gramado natural.
Na Taça de Portugal, os grandes até sofrem em campos menores, onde a bola ganha vida própria e o jogo muda.
Mas ali, é contexto. No Brasileirão, é escolha.
O que a ciência diz (e o que o corpo sente)
A verdade é que não há provas científicas de que o sintético cause mais lesões em quantidade. Mas há cada vez mais indícios de que provoca lesões diferentes – e mais graves.
Rupturas de ligamentos, torções de tornozelo e sobrecarga no joelho aparecem com mais frequência nas estatísticas médicas associadas ao piso artificial.

E falo por experiência própria: quem passa por uma lesão no joelho sabe que a recuperação é dolorosa, longa e incerta.
Há jogadores que nunca voltam a ser os mesmos. E isso deveria bastar para que nenhum profissional de elite jogasse num gramado sintético sem necessidade climática.
Meu ponto final
Não faz sentido clubes que gastam milhões em jogadores e departamentos médicos aceitarem jogar sobre um piso de plástico.
Aceito o sintético em países com neve, aceito em clubes de bairro, aceito em campos de treino.
Mas em um Palmeiras, um Botafogo, em um campeonato que sonha ser grande, não há desculpa.
Por uma vez, fico do lado do Rogério Ceni – e não do Abel.
O futebol é natural. Sempre foi.
E digo isso com um sorriso, lembrando que talvez eu pudesse ter sido o Cristiano Ronaldo das peladas – ou pelo menos o craque da terceira parte dos jogos (a dos copos).
Mas fica a opinião de quem já sentiu o joelho estalar num gramado sintético: para o futebol, nada substitui o toque da grama viva.








