Imagina você torcer para um time que entra em campo ao som de rock’n’roll, é abertamente de esquerda e utiliza as cores do arco-íris no uniforme ou faixa de capitão. Não conseguiu? O CAMISA 12 vai te apresentar o St. Pauli, clube alemão fundado no subúrbio de Hamburgo, que se tornou símbolo progressista e anticapitalista, algo raro para os dias atuais quando se trata de futebol.
Dono de uma rica história de combate à discriminação e sinônimo de engajamento social dentro e fora de campo, o St.Pauli iniciou suas atividades em 15 de maio de 1910. Em um cenário tipicamente masculino e dominado pelo dinheiro com bastidores bastante polêmicos, o time representa uma maneira de resistência ao futebol moderno, ato esse que ultrapassa as paredes do estádio.
Origem
Nos primeiros anos após sua fundação, o St.Pauli enfrentou uma grande precariedade até alcançar a elite do futebol alemão, feito conquistado apenas em 1933. Contudo, sua ascensão precisou ser interrompida com o início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), forçando o clube a entrar em um hiato, e talvez um fim em definitivo.
Com o fim do conflito, a agremiação alemã precisou recomeçar tudo do zero: estádio, sede social e estrutura administrativa, tudo haviam sido destruídos pelos bombardeios. Dois anos depois, o clube já estava reestruturado, mas seguia enfrentando o mesmo obstáculo desde sua criação: o futebol. Contudo, permaneceu abaixo das expectativas e constantemente lutando contra o rebaixamento, sua torcida se manteve fiel e demonstrou seu amor em cada jogo, lotando as arquibancadas na segunda divisão do futebol nacional ou em qualquer outro cenário que o time se encontrasse.
Buscando novos ares, o St.Paulo decidiu ter uma nova “casa”, largando sua primeira construção após 14 anos. Seu novo estádio foi erguido em Heiligengeistfeld, área periférica de Hamburgo e podemos dizer bastante estranha, onde normalmente se abrigavam punks, artistas alternativos e grupos marginalizados pela sociedade. Essa nova fase teve início em 1961.
Podemos imaginar a situação do local, rodeado por bordéis e boates, porém este foi um detalhe para a inauguração do Millerntor-Stadion, em 1964, com capacidade para 20 mil torcedores. Mas com essa mudança para um local perigoso, a torcida compareceria? A resposta é sim. Mesmo com um certo estranhamento inicial entre os fãs, que não estavam acostumados com aquele tipo de ambiente. Contudo, com o tempo, adaptação e principalmente pela recepção calorosa da vizinhança, que passou a conviver pacificamente com o fervor típico das arquibancadas.
Virada de chave
Sem conseguir se destacar dentro das quatro linhas, o St.Pauli permanecia conquistando mais torcedores por conta das suas ideologias. O crescente interesse pelo clube fez com que seus jogos passassem a ser disputados por grupos antagônicos, como neonazistas e punks, um típico reflexo do momento de tensão política e social vivido na Alemanha.
No início da década de 1980, a agremiação enfrentou uma grave crise financeira e esteve à beira da falência. No entanto, foi justamente sua apaixonada torcida que se mobilizou para salvá-la. Um coletivo formado por operários, artistas, estudantes e punks organizou campanhas de arrecadação e ações de apoio, conseguindo levantar fundos e garantir a sobrevivência do clube. Esse movimento marcou o início do posicionamento político do St. Pauli, que desde então passou a ser reconhecido como um símbolo de resistência, inclusão e luta contra todas as formas de opressão, espalhando seus ideais para todo o
planeta que o observa.
A torcida do St. Pauli passou a adotar símbolos que expressavam de forma clara seu posicionamento político e social. Caveiras com ossos cruzados, faixas de apoio a refugiados, o rosto de Che Guevara e bandeiras com suásticas destruídas tornaram-se parte da paisagem das arquibancadas, demonstrando uma oposição direta ao nazismo e à extrema direita, um verdadeiro tapa na maioria parte sociedade que ainda pensavam como Adolf Hitler e o início surpreendente de um posicionamento que seria a marca do time.
Essa postura vinda das arquibancadas acabou influenciando a própria diretoria do clube. Em 1990, o St. Pauli alterou seu estatuto interno e tomou uma decisão histórica: expulsar oficialmente a ala neonazista de sua torcida. Com isso, tornou-se o primeiro time alemão a banir nazistas de seus estádios, consolidando seu papel como símbolo de resistência e inclusão dentro do futebol europeu.
Essas mudanças no posicionamento do St. Pauli foram benéficas e trouxeram uma nova onda de torcedores, ampliando sua base para além dos punks, e começando a chamar atenção mundialmente dos novos “rebeldes”. Anarquistas, comunistas e outros grupos passaram a apoiar o clube, tendo alguns deles integrando a diretoria. Entre 2002 e 2010, o St. Pauli foi presidido por Corny Littmann, empresário e ativista abertamente gay, o que reforçou para todos o compromisso do time com a igualdade e a inclusão em seus bastidores.
Comercialização do esporte
Outra batalha assumida pelo St. Pauli foi o combate à mercantilização do futebol. O clube se posicionou contra a lógica financeira que transforma o esporte em negócio e dificulta a competitividade dos times menores, que não conseguem enfrentar os gigantes ricos do país em igualdade de condições. Agora imagina a situação de hoje em dia, que o sonho de toda equipe é se transformar em SAF? Pelo menos teremos certeza de que essa equipe alemã em questão, jamais será adepta a essa novidade.
Engajamento musical
Ao som do bom e velho rock’n’roll, o time entra em campo e as arquibancadas pulsam, confirmando ser o coração da equipe. Com sua história ligada ao movimento punk, o clube adotou um ar de rebeldia como à sua identidade esportiva.
Esse vínculo especial do St.Paulo ficou bastante evidente durante as partidas em que atua como mandante. O Millerntor-Stadion se transforma em um verdadeiro show. Antes da bola rolar, “Hells Bells”, da banda AC/DC embala os minutos iniciais dos torcedores no local, ecoando pelos altos-falantes, confirmando que esse som é o favorito entre os adeptos (embora eu ache que “Back in Black” combinaria mais). Cada gol marcado, outra trilha sonora, desta vez “Song 2”, do Blur, é o responsável por embalar as celebrações nas arquibancadas.

Atualidade
De volta à elite do futebol alemão, o St. Pauli disputou a temporada 2024/25 da Bundesliga após conquistar o título da 2. Bundesliga no ano anterior. Contudo, o desempenho permaneceu abaixo das expectativas, algo que não é uma novidade quando se trata do futebol: o clube terminou a competição na 14ª posição, garantindo a permanência com uma pontuação suficiente para evitar o rebaixamento.
Apesar de não ter um futebol vistoso, ou uma história carregada de troféus e grandes craques, o St.Pauli é o maior vencedor do planeta por manter firme seus valores, demonstrando que nem tudo é dinheiro ou uma maneira de agradar a grande maioria, moral essa que o tornou conhecido mundialmente. A postura progressista e o engajamento social em causas que por muitas vezes só usadas apenas para “aparecer”, permanecem sendo pilares do clube, refletindo a conexão com a comunidade que o apoia e que até o salvou da falência no passado.
Ultrapassando as fronteiras da Alemanha, com simpatizantes espalhados pelos cinco continentes, unidos por uma identificação com a causa que vai muito além das quatro linhas, e da briga pelos três pontos na tabela, e sim pela sobrevivência das minorias em um mundo tão difícil como o de hoje.